Entrevista com Dr. Anderson Espíndola
asspendf2022-03-30T08:35:55-03:00À frente da SESIPE, o novo subsecretário expõe suas opiniões sobre o sistema penitenciário do DF e as mudanças que pretende implementar
O senhor já foi subsecretário na gestão Arruda, o que mudou daquela época para hoje?
Mudou muito. Naquela oportunidade, em 2007, nós tivemos algumas dificuldades administrativas na manutenção da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (SESIPE) junto a Secretaria de Justiça que era recém-criada e não tinha uma estrutura que pudesse comportar a SESIPE. Nós abrigávamos de 7.600 a 8 mil presos e ainda não existiam os servidores da carreira de atividades penitenciárias, então nós tínhamos policiais militares, policiais civis, bombeiros militares, além dos servidores da carreira administrativa do GDF, o que totalizava cerca de 1.200 servidores.
Na época, eu tive a honra de, chefiando a SESIPE, iniciar a realização do concurso para a carreira de atividades penitenciárias. Foi um concurso feito às pressas, pois tínhamos uma necessidade premente da entrada de novos servidores. Existiam vários bombeiros e policiais militares em nítido desvio de função e precisávamos resolver o problema do efetivo. Fizemos o concurso e em 2009 os novos servidores tomaram posse. Agora, é altamente gratificante ver o pessoal efetivado, tomando conta do sistema, gerindo, e saber que pude participar efetivamente na criação dessa carreira e de algumas de suas conquistas, até financeiras.
O seu retorno para o sistema penitenciário possui algum propósito específico?
Eu acredito que fui convidado pela experiência que já tive com o sistema penitenciário, bem como diretor de unidade prisional e depois como subsecretário. Acredito que esse meu retorno seja no sentido de dar uma visão mais técnica à gestão prisional.
Eu sempre procurei pautar as minhas atividades considerando o mérito dos servidores, a meritocracia mesmo, sem qualquer viés político. Se aqui retornei, foi em nome do governador Rodrigo Rollemberg para fazer o melhor trabalho possível, indicado por ele, e sempre respeitando todas as carreiras que aqui estão.
Quanto ao concurso público de agente de atividades penitenciárias, há uma perspectiva de que aconteça logo a convocação dos aprovados?
O sistema mudou muito. Quando eu saí, deixei o sistema com quase nove mil presos e dois mil servidores. Praticamente 1.600 servidores da carreira penitenciária e 350 servidores da carreira da policial civil, fora os servidores da área administrativa. Já não contávamos mais com os policiais militares, nem com os bombeiros militares. Agora que regresso, me deparo com quase 15 mil presos e cerca de 1.400 servidores, dos quais 160 são agentes policiais de custódia e outros 1.200 agentes de atividades penitenciárias. Temos um número de vagas considerável a ser ocupado com esse concurso, precisamos dar celeridade ao máximo, inclusive esse tema foi objeto de conversa minha com o governador. Esse é o nosso objetivo.
Hoje, precisaríamos do dobro do efetivo, mas, se não for possível, pelo menos mais mil servidores seria o ideal. Infelizmente, o Distrito Federal, como o resto do Brasil, está passando por uma séria crise financeira que dificulta as coisas, mas vamos trabalhar para dar continuidade ao concurso, fazer o curso de formação e nomear os aprovados no número de vagas que estão abertas ainda este ano.
A estrutura física do sistema penitenciário é outro fator de constante preocupação, pois não proporciona condições justas para o atendimento do público alvo e dificulta o trabalho dos servidores. Por que não são destinados maiores recursos para evitar esse sucateamento do aparelho público?
Eu acredito que todos os gestores que por aqui passaram, mesmo cometendo alguns erros, sempre tiveram o intuito de fazer o melhor para o sistema penitenciário. Não creio que ninguém que tenha sentado nessa cadeira teve a intenção de prejudicar o sistema ou degringolar sua estrutura. Mas, precisamos de mais investimentos. Temos que avançar no intuito de melhor equipá-lo, desde a estrutura física até seu efetivo.
Até 2009, quando inauguramos o Bloco 02 do Centro de Progressão Penitenciária (CPP), nunca se tinha gasto um centavo no sistema penitenciário do Distrito Federal em edificação com recursos do próprio GDF, eram usados somente recursos da União. Naquele momento, conseguimos investir recursos do DF no sistema penitenciário e de lá pra cá isso já melhorou, principalmente no CPP, e queremos que passe também para as outras unidades.
Qual o propósito do retorno da SESIPE para a Secretaria de Segurança Pública e o que o senhor acha desse retorno?
Eu acredito que seja extremamente salutar. A gente sempre escuta aquela máxima de que ‘quem prende não pode cuidar’ ou alguma coisa nesse sentido. O sistema penitenciário do DF tem 50 anos. Quem sempre geriu esse sistema foram os servidores policiais, pois a carreira de atividades penitenciárias existe há apenas seis anos, e ele sempre foi considerado um dos melhores do país.
Eu tive a oportunidade de participar da CPI do Sistema Carcerário no Congresso Nacional no ano de 2008 e naquela oportunidade o sistema penitenciário do Distrito Federal foi apontado como um dos três melhores do país. Naquele momento, ainda estava entrando a carreira de atividades penitenciárias, até então era só a polícia que estava gerindo desde o seu nascedouro. Se o sistema não pudesse ser assim gerido, como é que estaríamos entre os melhores naquela oportunidade?
Hoje, a Secretaria de Segurança Pública tem uma estrutura administrativa melhor e mais estruturada, enquanto que a Secretaria de Justiça ainda está se formando, infelizmente, o sistema penitenciário não pode esperar. Tudo é para ontem. Não podemos ficar sem alimentação, sem remédio, temos uma ala psiquiátrica que requer um pronto atendimento. Então, esse retorno à SSP vai ser muito melhor, até porque estamos reestruturando a SESIPE. E além do mais, na Secretaria de Segurança Pública estão os órgãos vinculados e que trabalham desde o início da persecução penal e que têm interesse em nos auxiliar. Eles nos ajudavam desde quando erámos da Secretaria de Justiça, mas agora estaremos todo sob a mesma batuta e isso torna mais fácil qualquer execução, qualquer necessidade, qualquer pronto atendimento.
Eu realmente espero que num futuro bem próximo a gente possa investir na ressocialização, pois, para termos uma ideia, a vaga no sistema penitenciário custa em torno de R$ 50 mil. Construir uma penitenciária para mil presos gastaria em torno de R$ 50 milhões. O custo de manutenção de um preso gira em torno de R$ 2.500/mês, enquanto que uma vaga numa escola não passa de R$ 10 mil. Uma escola extremamente bem montada e equipada para mil alunos não custaria mais que R$ 10 milhões. O custo de manutenção de uma criança na escola não chega a R$ 500/mês. Então, não investir em Educação é burrice. Não investir na ressocialização é burrice. É rasgar dinheiro, é jogar recurso fora. Porque senão fica esse ciclo: a pessoa comete o crime, o Estado não investe na ressocialização daquela pessoa, na sua educação e ele vai voltar a delinquir. Temos que investir na educação sim, desde criança, para que essas pessoas não venham a ser hóspedes do sistema penitenciário no futuro. Essa é a base. Claro, que não podemos nunca deixar de lado a segurança, ela é primordial também, mas a ressocialização, os investimentos em educação, em trabalho, são de suma importância e eu vejo com tristeza que quando saí, em 2011, as oficinas estavam mais atuantes. Nós tínhamos mais oficinas, tínhamos mais salas de aula ocupadas. Já não era o ideal naquele momento, de forma alguma, mas hoje a situação está um pouco pior. Temos que reverter isso e o mais rápido possível.
Uma das bandeiras da ASSPEN-DF sempre foi a troca de todas as funcionais dos agentes de atividades. Em novembro de 2010 foram confeccionadas as primeiras e as últimas identidades e por diversas vezes solicitamos sua renovação, inclusive com a proposta de custeá-las. Temos até ação coletiva tramitando judicialmente contra o Estado para a impressão das funcionais e até agora nada. Nem mesmo as reposições são feitas. Existe algum plano para resolver definitivamente essa problemática vivenciada pelos servidores?
Na realidade, vou ser sincero contigo, eu não sabia dessa problemática. Regressei há uma semana ao sistema penitenciário e não sabia dessa questão. Vou me inteirar, ver o que está acontecendo e buscar resolver da melhor forma possível. Inclusive eu participei ativamente da confecção dessas primeiras, em 2010, tanto do processo de aquisição quanto do fornecimento aos servidores. Comprometo-me em ouvir a associação, as entidades de classe, e fazer o que for necessário para que, num trabalho conjunto, identifiquemos o melhor modelo e busquemos parceria para sua emissão. Não tenho dúvida disso.
Nessa conjuntura desgastante de fuga de presos e com o regresso da polícia civil ao complexo penitenciário, como o senhor e o GDF pretendem fazer para harmonizar duas categorias tão distintas, a de agente de atividades penitenciárias e a de agentes de custódia da polícia civil?
Primeiramente, eu não acho que sejam tão distintas. Quando os agentes de atividades penitenciárias ingressaram no sistema, os agentes penitenciários da polícia civil ainda não tinham mudado a nomenclatura, e mesmo naquele momento a relação não era ruim. Eu não sei o que aconteceu nesse período, mas vamos trabalhar para que, efetivamente, os servidores possam conviver e eu não vejo razão para não ser assim.
Se os agentes de custódia, em um maior número, retornarem ao sistema penitenciário, vamos procurar inseri-los dentro do ambiente prisional, ouvindo seu representante, também o representante dos agentes de atividades penitenciárias e tentando chegar ao melhor acordo possível, sem nunca esquecer o interesse público. Respeitamos sempre os interesses das categorias, mas o interesse público, da coletividade, vem sempre à frente. Vamos na medida do possível tentar atender aos interesses de todos, mas sempre pensando na nossa sociedade.
Quais as metas para o sistema penitenciário nos próximos anos?
Temos metas um pouco arrojadas. Estamos agora passando por um momento de transição ao retornamos para a Secretaria de Segurança, mas a SESIPE deixará de existir como subsecretaria em breve. Ela estará alçando para uma Secretaria Adjunta de Administração Prisional instalada dentro da SSP, com três subsecretarias vinculadas a ela. Será uma subsecretaria para fazer a gestão das penitenciárias, outra para fazer a gestão das unidades prisionais e uma subsecretaria voltada à gestão das penas alternativas, medidas cautelares diversas da prisão, que é uma novidade no Distrito Federal. Eu acredito que a criação dessas subsecretarias, principalmente essa terceira, abrirá um leque de atribuições, de funções, que as carreiras que aqui laboram vão, com o tempo, mas com responsabilidade, incorporar às suas atividades. Realmente é um desenvolvimento, inclusive das carreiras. Teremos que fazer alguns ajustes legislativos para poder contemplar a carreira de atividades penitenciárias em mais seguimentos inerentes à profissão. Eu não entendo o porquê de, até hoje, não terem sido feitas tais mudanças, foi uma falha na lei. Acredito que isso tem que ser revisto o mais rápido possível. A nossa ideia para o futuro, primeiramente a secretaria adjunta, posteriormente, quem sabe, até uma secretaria autônoma, uma autarquia ou alguma coisa nesse sentido, que faça a gestão prisional. A SESIPE hoje já tem uma estrutura muito maior que a de outras secretarias, mas temos que ir com calma, com responsabilidade, sempre pensando nas melhores condições para os servidores e melhores condições para que os internos possam voltar à sociedade numa condição melhor. A gente tem que sempre pensar numa coisa, ‘hoje o interno está contido, amanhã ele estará contigo’. Querendo ou não, ele estará contigo. Temos que ter a consciência de como queremos que ele volte ao convívio social. Melhor ou não?
Então, primeiro vamos dar mais estabilidade ao sistema. Uma vez estável, tranquilo, aí a gente pensa em avançar mais ainda.
E quais as mudanças que o senhor pretende fazer dentro da SESIPE?
Faremos algumas mudanças pontuais nos servidores, isso faz parte. São funções comissionadas, de confiança, que serão mudadas, mas considerando o lado técnico. Aqui dentro temos que ser profissionais. Então serão trocadas algumas chefias e isso é natural. Queremos fazer algumas mudanças legislativas também no ajuste das carreiras e temos que avançar com relação às audiências de custódia. A problemática do manuseio com o preso provisório que hoje depende da polícia civil. Eu acredito que a polícia civil deveria fazer a prisão e o sistema penitenciário, de imediato, absolver esse preso e o próprio sistema penitenciário apresenta-lo em juízo. Vamos ver como faremos, se existe a possibilidade de colocarmos essa ideia em prática. Além disso, temos vários projetos. Vamos fazer mais investimentos na melhoria das estruturas físicas e na tecnologia empregada no sistema penitenciário. Tivemos uma fuga recente, lamentável, de 10 internos dentro da PDF I e eu não credito que essa falha tenha sido motivada por um fator único. Foi um conjunto de fatores, uma conjugação de circunstâncias, que acabaram resultando nisso. Desde a carência de servidores, a má estrutura física à ausência de melhor monitoramento da unidade perpassam vários fatores que acabaram contribuindo para esse desfecho. Isso, a meu ver, olhando por fora, sem analisar nitidamente os procedimentos disciplinares. Pode ser que lá dentro tenha outra coisa diferente, mas a priori seria isso. Nós precisamos melhorar rápido o efetivo do sistema penitenciário, essa é uma necessidade imediata, além de fazer investimentos em tecnologia.
Qual a mensagem o senhor gostaria de deixar a todos os servidores do sistema penitenciário do Distrito Federal?
Gostaria de pedir um voto de confiança. Eu acredito que todos os servidores me conhecem, principalmente os da carreira de atividades penitenciárias, então, peço um voto de confiança, peço tranquilidade antes de tudo, pois com calma nós vamos melhorar o sistema e conseguir melhores condições para essas categorias. Não só para os agentes de atividades penitenciárias, mas também os agentes de custódia e os servidores administrativos. Nesse momento, a palavra chave é a união. É isso que temos que ter. O sistema penitenciário não foi criado para ser midiático, não é para ser usado na promoção pessoal de quem quer que seja, nem para promoção política ou partidária, nada disso. Temos que viver na tranquilidade e isso significa o quê? Segurança e ressocialização, esse é o nosso foco e a gente precisa de união para fazer isso.